sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Serra Gaúcha I: A terra do vinho

Entre os dias 26 de dezembro e 5 de janeiro, tive a oportunidade de visitar, mais uma vez e após quase cinco anos, as vinícolas do sul do país, mais especificamente da Serra Gaúcha. A idéia era apenas relaxar alguns dias em Gramado e em Bento Gonçalves, beber vinho, mas a paixão pela bebida e pela boa mesa, aliada à minha formação acadêmica e profissional, me fizeram lembrar o tempo todo da importância de registrar as boas experiências que tinha. E aqui estou para falar muito brevemente sobre as coisas boas que vi, bebi, comi e vivi em terras gaúchas.


Para que este texto não vire um livro, já que as boas experiências foram muitas, vou quebrar o relato em cinco partes, sendo a primeira esta rápida introdução e, a seguir, a boa experiência enogastronômica em Gramado e Canela; as andanças pelo Vale dos Vinhedos; onde comer bem na região do vale; e, por fim, um capítulo à parte dentro das minhas aventuras pelas vinícolas do sul.

Como disse no início, não fui preparado para fazer um “diário de bordo”, pois nada anotei nos nove dias em que apenas me diverti na Serra Gaúcha. Descrevo aqui, de forma um tanto falha jornalisticamente falando, apenas o que realmente me marcou, que ficou gravado na memória e no coração de forma muito saudosa, diga-se de passagem.

Serra Gaúcha II: Gramado e Canela enogastronômicas

Vou começar pela ótima experiência enogastronômica que tive no Serrano Resort, em Gramado, que me surpreendeu pela variedade dos seus restaurantes (são cinco ao todo) e pelo excelente custo-benefício. Destaco três deles: o La Frontera, a la carte, estilo gaúcho e com ótimas opções de cortes de carne servidos no prato; o italiano Forneria di Como (foto ao lado), com buffet de salada e frios e opções a la carte de massas, risotos e carnes; e o japonês Tuna Sushi, no esquema de buffet e com uma grande variedade de opções.

A carta de vinhos dos restaurantes é a mesma, recheada de boas opções de nacionais e alguns importados, todos a preços muito honestos.

O valor da refeição completa, incluindo a entrada, o prato principal e a sobremesa, além de bebidas (inclusive uma opção de cerveja nacional), é cobrado na forma de “pacote”, que vai de R$ 35 a R$ 40 por pessoa, uma pechincha considerando a qualidade dos restaurantes. Quem não se hospeda no hotel também pode usufruir os seus restaurantes, mas é importante fazer reserva.

Vinhos na La CharbonnadeTudo estava muito bonito em Gramado, com shows de Papai Noel, visita ao mini-mundo, entre outras atrações típicas da cidade nessa época do ano. Mas faltava o vinho! E atrás dele eu fui, claro, já no meu segundo dia de viagem. Após uma breve visita ao belo Parque do Caracol, em Canela (cerca de 10 km de Gramado), dei uma esticada até a La Charbonnade, uma loja especializada em vinhos nacionais, quase sempre vendidos abaixo dos preços no varejo (lojas dentro das vinícolas) dos próprias produtores. É um ótimo passeio para quem procura, em um único lugar, exemplares dos nossos melhores vinhos – alguns deles não encontrados facilmente nas grandes capitais.

A loja também importa rótulos de outros países, alguns exclusivos, especialmente do Chile e da Argentina. Quem não tiver disposição para carregar caixas e garrafas pode pedir para entregar em casa, com isenção de frete para compras grandes (recomendo ligar para se informar melhor).

Serra Gaúcha III: Vale dos Vinhedos

Após quatro agradáveis dias em Gramado, parti para Bento Gonçalves, onde a coisa seria mais séria... Fiquei hospedado no sempre bom Villa Michelon, no coração do Vale dos Vinhedos, que me serviu de base para descansar e para fazer as refeições da noite, sempre acompanhadas de vinhos, claro – a carta do hotel traz uma seleção razoável de vinhos a bons preços.


Durante o dia, a bateção de perna era nas vinícolas, algumas já antigas conhecidas minhas, como a Salton (foto acima), outras gratas surpresas, conforme comentarei brevemente a seguir.

MioloA primeira vinícola visitada foi a Miolo, a poucos metros do hotel, onde pude, mais uma vez, constatar o pioneirismo dessa empresa na criação de uma estrutura profissional para receber turistas. Ali, todo o esquema gira em torno do visitante, que pode chegar a qualquer momento e se juntar a um grupo para uma visita guiada, com direito a degustação de vinhos no final, em uma sala moderna, construída especialmente para degustações, cursos e palestras.

O lugar chama a atenção não apenas pela organização e grandiosidade, mas também por detalhes como um mini-parreiral com todas as cepas cultivadas pela Miolo, em um espaço próximo ao prédio da vinícola, onde o visitante pode observar as principais características visuais de cada cepa.

No varejo da Miolo, o visitante pode comprar não apenas os vinhos, mas também acessórios e alimentos, como queijos, embutidos e doces, produzidos por parceiros da região. Lá, paga-se cerca de R$ 60 nos melhores vinhos da vinícola, como o Lote 43, cujas safras disponíveis na ocasião eram a 2002 e a 2004 – recomendo a compra da 2004, que está mais redonda do que a anterior.

Lidio CarraroPara contrastar com a experiência que tivemos na Miolo, saímos de lá e formos direto para a vizinha Lidio Carraro, uma vinícola familiar, mas que já se destaca pelos bons vinhos e por ter sido a primeira empresa de vinhos nacional a comercializar seus produtos nos aeroportos, nas lojas Duty Free – hoje, outras vinícolas vendem seus produtos nessas lojas.

Provamos os principais vinhos da Lidio Carraro, que confirmaram as minhas expectativas de bons vinhos. Chamou a atenção o nebbiolo elaborado pela vinícola e vendido a preço de barolo. Esse eu não provei, mas, por muita curiosidade, comprei uma garrafa para provar aqui em São Paulo. Claro que eu não espero que seja um barolo, nem um barbaresco, já que, além da cepa, o terroir é fundamental para o resultado final de um vinho. Se for um ótimo vinho brasileiro já terá valido a experiência.

O destaque da vinícola é a simplicidade e simpatia dos filhos do senhor Lidio Carraro, que, ao lado da mãe, tocam a empresa de forma muito competente. Quem chega à vinícola é saudado por eles já na porta da casa onde acontecem a apresentação e degustação dos vinhos.

Casa Valduga
A Casa Valduga foi a única vinícola que atendeu ao telefone no dia 1º de janeiro e, para que o dia não fosse perdido, além de estar aberta para visitação, também nos recebeu para almoçar em seu restaurante.

Sobre os vinhos, recomendo os espumantes, mesmo o da linha mais básica, feito pelo método tradicional (champenoise). Não se faz espumante pelo método charmat na Casa Valduga. Recomendo também o Chardonnay Grand Reserva, um dos melhores nacionais que já bebi com essa cepa (achei melhor até do que o badalado Villa Francioni) e, entre os tintos, destaco o Mundvs Malbec, também um dos melhores malbec nacionais.

Para quem não tem filhos, é possível se hospedar na pousada da Casa Valduga.

VallontanoA visita à Vallontano foi rápida, mas muito agradável. O espaço para degustação fica anexo a um pequeno bistrô, em frente ao galpão da vinícola, onde é possível fazer refeições rápidas. Fiquei apenas na experimentação dos vinhos. Todos equilibrados e agradáveis, mantendo um padrão que justifica a escolha dessa vinícola, pela Mistral, para a distribuição também de vinhos nacionais. Destaco o espumante brut deles, bastante refrescante e equilibrado.

PizzatoFui recebido na Pizzato com a mesma simpatia de cinco anos atrás. Mas hoje a vinícola está mais profissional no trato com o visitante, sem aquela coisa intimista de quando bebi, pela primeira vez, o lendário Merlot 1999.

Como sempre, bebi bons vinhos. Desta vez, a variedade era bem maior, não se limitando apenas à cabernet sauvignon e à merlot. Os rótulos também mudaram e agora são mais claros, passando um misto de sofisticação e modernidade. O destaque fica para a linha básica, chamada Fausto, cujo preço é de R$ 18 na vinícola. Tanto o cabernet sauvignon quanto o merlot são excelentes opções para o dia-a-dia.

Sobre o Merlot 1999, claro que eu não pude deixar de perguntar... Ainda restam poucas garrafas – menos de 20, segundo a simpática moça que me atendeu. Mas para comprar é necessário adquirir um kit com outros vinhos da Pizzato, que vêm em uma bela caixa de madeira, ao custo de algo em torno de R$ 350.

Don LaurindoNa Don Laurindo, tive minha maior decepção na incursão ao Vale dos Vinhedos. Ao contrário das boas experiências das últimas visitas à vinícola, desta vez bebi vinhos aparentemente desequilibrados – taninos duros, gosto herbáceo, acidez e álcool muito elevados. Pelos bons vinhos que já bebi dessa vinícola no passado – sendo o assemblage (cabernet sauvignon/merlot) 2001 o melhor deles –, acredito que possa ser algo pontual. Tirarei a prova em outra ocasião.

MilantinoA pequeníssima vinícola Milantino, que fica metros atrás da Don Laurindo, me proporcionou uma experiência mais agradável do que a vizinha. Não encontrei ali nada excepcional, mas sim bons tintos, um espumante brut tradicional muito equilibrado e um malvasia de cândia bem interessante. Entre os tintos, destaco a ancelota, que ironicamente é uma casta produzida, se não me engano de forma pioneira no Brasil, pelo vizinho Don Laurindo.

Salton
Voltar à Salton era algo que eu esperava há bastante tempo. Estive lá pela última vez cinco anos atrás, quando a construção da nova sede, em Tuiuty, distrito de Bento Gonçalves, estava quase no final. Mas já mostrava a grandiosidade que seria quando pronta. E realmente ficou imponente, digna de um dos líderes no mercado de vinhos finos no Brasil.

Fizemos uma breve visita às instalações da vinícola, que realmente impressiona pela quantidade de equipamentos e tanques de inox. Fomos guiados por um dos estagiários de enologia da casa, que de forma competente nos mostrou a empresa e comentou sobre o processo de produção dos vinhos.

Ao final da caminhada, descemos ao varejo da Salton, onde bebi novamente o consagrado Talento e conheci alguns vinhos que não encontramos em todo lugar: o Salton Intenso, por exemplo, um colheita tardia que lembrou bastante no nariz o Vin Santo. Também provei dois frisantes excelentes para se beber na beira da piscina – um branco e outro rose, ambos da linha Salton Lunae, a cerca de R$ 10 a garrafa.

O melhor do dia, no entanto, estava reservado para o almoço: o restaurante Pignatella. Comento sobre essa experiência no texto a seguir.

Serra Gaúcha IV: Comer bem na região do vale

Comer na região de Bento Gonçalves e Garibaldi pode ser monótono se nos ativermos ao cardápio. São quase todos iguais, incluindo os mesmos itens, uma fusão da culinária italiana e gaúcha de origem indígena. O funcionamento também é quase sempre o mesmo: sistema de rodízio, com sopa de capelete, polenta, massas, costela de porco, galeto e, de sobremesa, sagu com creme ou pudim de leite.

O desafio para quem quer fazer da refeição um momento agradável foi, então, encontrar diferenciais e atrativos que não tornassem essa monotonia algo extremamente chato. Abaixo, coloco minhas impressões sobre lugares que vão além do trivial local, com destaque para o Pignatella (foto acima), o último a ser visitado.

Canta MariaÓtima comida e farta adega de nacionais a bons preços – incluindo Bettú. O Canta Maria fica na estrada (RS 470 – km 217), na entrada de Bento Gonçalves, pouco antes da pipa-pórtico, e funciona no sistema tradicional do lugar: paga-se um preço único (algo em torno de R$ 30) e os garçons começam a servir. Passa-se pela sopa de capelete, diferentes massas, polenta, frango, costela de porco e, para finalizar, o sempre presente sagu com creme. Tem um parquinho para as crianças brincarem ao lado do estacionamento. Vale a visita, seja pela ótima comida, seja pela adega que fica no andar superior.

Casa Di PaoloAssim como o Canta Maria, este ótimo restaurante fica na estrada (RS 470 – km 221), a caminho de Garibaldi para quem parte de Bento Gonçalves. O sistema do Casa di Paolo é o mesmo: rodízio das “iguarias” locais, a preço fixo. Aqui, é importante fazer reserva, pois vive lotado – é parada obrigatória de ônibus de excursão para a Serra Gaúcha.

Ao lado, há um hotel e lojas, uma delas bonita e bem cuidada, de vinhos, que também vale conhecer.

Casa Valduga
Localizado dentro da vinícola, ao lado do prédio onde os vinhos são elaborados, o restaurante da Casa Valduga repete o esquema local de rodízio a preço módico e fixo. Ates de almoçar, vale beber um espumante nas mesas que ficam na parte externa, sob as folhas de um parreiral. É prudente fazer reserva para não perder viagem.

Pignatella
Esta foi sem dúvida minha melhor experiência enogastronômica da viagem à Serra Gaúcha. Escondido na via de acesso à Salton, no distrito de Tuiuty, o Pignatella surpreende não apenas pela pretensão de ser diferente, mas principalmente pela competência na execução da gastronomia inspirada no Tirol, no norte da Itália, que inclui, entre outros pratos, a sopa de canederli (um caldo com bolinhas de massa de pão recheadas), gnochi com creme de fontina (molho de queijo), contra-filé marinado no vinho e ervas, uma deliciosa batata com creme e maçã, um saboroso e aromático torteletti, cujo recheio leva baunilha, cacau, erva-doce, melissa, biscoito Maria e licor de bergamota, além de uma costela de porco que desmanchava na boca.

Almoçar nesse restaurante é um programa imperdível para quem estiver pelas bandas da Salton. Não apenas pela ótima comida, mas também pelo ambiente agradável, que inclui uma decoração simples, mas bonita, música italiana e uma garrafa gigante de vinho já na entrada.

Endereço: Estrada Buarque de Macedo, Tuiuty, Bento Gonçalves.

Serra Gaúcha V: Bettú, um capítulo à parte

Dentre todas as experiências que tive durante minha incursão à Serra Gaúcha na passagem do ano, a visita à casa dos Bettú foi, sem dúvida, a mais interessante e que merece, pelo inusitado da coisa, um capítulo à parte.

Descobri essa minúscula vinícola por indicação de um amigo consultor de vinhos, que, ao saber da minha ida à Serra Gaúcha, disse para eu não perder a oportunidade de visitar o senhor Vilmar Bettú (foto ao lado) e beber os seus vinhos. Num primeiro momento, achei o nome um pouco estranho para vinhos finos, mas prometi que não voltaria do sul sem essa experiência na bagagem.

Depois de dois ou três dias em Bento Gonçalves sem ouvir ou ler sequer uma linha sobre os vinhos Bettú, já havia até esquecido dessa vinícola. Até que, circulando na boa adega do restaurante Canta Maria, vi uma garrafa diferente, original, cujo rótulo era apenas uma folha de parreira. E não é que finalmente eu havia encontrado um exemplar dos vinhos do Bettú!? Bem, daí para frente tudo ficou mais fácil. Consegui o telefone da vinícola, e do Canta Maria mesmo liguei para lá. Fui atendido por uma moça simpática, para quem perguntei sobre a possibilidade de conhecer seus vinhos. Curiosamente ela me perguntou se eu já havia “combinado” com seu pai, o que fez “cair a ficha” de que o negócio era realmente pequeno e familiar.

A moça, então, passou a ligação para o senhor Vilmar, para quem me identifiquei e disse quem me indicou, o que aparentemente abriu as portas para a visita, marcada para 30 minutos mais tarde - tempo suficiente para eu pegar o carro e partir para Garibaldi, onde fica a vinícola. Acabei usando esses 30 minutos na íntegra, apesar de Garibaldi ficar a apenas 10 km de onde eu estava, pois a vinícola fica na área rural da cidade, a mais ou menos 5 km do centro, na Estrada Geral São Gabriel, sem número – a sinalização da entrada da casa dos Bettú também não ajudou muito e eu acabei perdendo um pouco de tempo para encontrá-la.

Depois de bater um pouco de cabeça, finalmente cheguei ao local e fui recebido pela pitoresca figura do senhor Vilmar, um senhor de cerca de 60 anos, com um longo rabo de cavalo, que me conduziu até sua agradabilíssima casa, mais parecida com um sítio, com bastante verde, cachorros e tudo o que alguém que mora no meio do mato tem direito.

Logo entramos na casa, passamos por uma sala de aula improvisada e paramos em uma outra sala, embaixo do piso térreo da casa (ouviam-se passos sobre as nossas cabeças o tempo todo, já que o teto era de madeira), onde havia antigas barricas e uma mesa. O local era frio e escuro – bastante sombrio, diga-se de passagem. Passando por entre os barris, havia uma pequeníssima porta que conduzia a um apertado, úmido e escuro corredor, com prateleiras e centenas de garrafas empoeiradas deitadas. Por outra porta nesse mesmo corredor, via-se uma sala ainda mais escura, esta com dezenas ou centenas (estava muito escuro para contar) de garrafões de vinho, onde a bebida elaborada pelos Bettú envelhecia e aguardava pacientemente para ser engarrafada.

Voltando à sala da degustação, sentamos à mesa e começamos a conversar. Apesar da cara séria, quase de mau humor, e das poucas palavras iniciais, o senhor Vilmar se mostrou um ouvinte atento. Queria saber quem éramos e o que fazíamos antes de falar sobre o seu trabalho. Nos apresentamos e, em seguida, conhecemos um pouco da história do Bettú, que, além de vinhateiro, é engenheiro mecânico de formação e professor de física na rede pública de ensino, onde começou a lecionar “depois de velho”, em suas próprias palavras.

Mas vamos ao que interessa: os vinhos! Depois de 15 ou 20 minutos de papo a seco, o senhor Vilmar se levantou misteriosamente e, em segundos, voltou com uma garrafa sem rótulo, cujo vinho, branco, foi cuidadosamente servidos nas taças. Com muita curiosidade, mas sem querem mostrar ansiedade, dei a primeira “cheirada” na taça, que revelou um vinho bastante aromático. Tratava-se de um malvasia de cândia muito intenso e saboroso. Certamente um dos melhores nacionais com esta cepa – talvez o melhor que já bebi.

E o papo continuou, até que novamente o senhor Vilmar se levanta, sem dizer uma palavra, e volta com outra garrafa sem rótulo. Desta vez era um tinto, da uva marselan (resultante do cruzamento entre a cabernet sauvignon e a grenache), que também impressionou pelo corpo e complexidade. E aí, com mais coragem e menos vergonha – intimidade que só um bom vinho consegue despertar em tão pouco tempo –, começamos a perguntar e ouvir mais sobre os vinhos Bettú.

Entre outras coisas, descobrimos que o senhor Vilmar elabora apenas 5 ou 6 mil garrafas por ano, a partir de 30 cepas diferentes, todas de vinhedos próprios. Ele também nos contou que não existe muita regra ou quantidade para elaboração de cada vinho a cada ano. É uma experiência de alquimia. As uvas são colhidas e, se estão adequadas, os vinhos são elaborados. Porém, se o resultado não agrada, vão direto para o ralo. Os cortes também não seguem regra. Tudo depende do humor e da vontade do senhor Vilmar. O fruto desse processo artesanal e literalmente empírico são dezenas ou, no máximo, poucas centenas de garrafas de cada vinho a cada safra.

Entre todos os detalhes do processo de elaboração dos vinhos Bettú, o que mais me chamou a atenção foi saber que as uvas de 100% desses vinhos são esmagadas com os pés do próprio senhor Vilmar e de uma ou duas pessoas que o ajudam nessa tarefa – inclusive tive a oportunidade de ver as fotos do processo. Outra curiosidade é que, antes de serem engarrafados, os vinhos são armazenados em garrafões (tipo Sangue de Boi), onde envelhecem por um bom período (vai do gosto do senhor Vilmar). Quando o vinhateiro decide que é o momento de engarrafar, os garrafões partem para aquela salinha escura que mencionei anteriormente, onde ficam de pé por alguns dias para que os resíduos se acumulem no fundo da garrafa e, por decantação, sejam eliminados da bebida engarrafada (os vinhos não são filtrados).

A essa altura, o senhor Vilmar já havia me servido uma taça de um dos seus “bordaleses” (corte de cabernet sauvignon e merlot), este de 2001, que já mostrava boa evolução, com uma cor atijolada, e complexidade na boca e no nariz. Certamente foi o melhor vinho que bebi na casa dos Bettú – não provei o “lendário” nebbiolo, que possivelmente já não estava mais disponível para esse tipo de degustação. Aliás, segundo o senhor Vilmar, dei sorte de ser recebido daquela forma, de supetão, pois ele é seletivo, recebe pessoas por indicação e com hora marcada. O que resulta em degustações de no mínimo três horas, podendo chegar a sete, como aconteceu com um grupo que, segundo o senhor Vilmar, se “empolgou” demais.

Eu fui um pouco mais apressado, já que a agenda de visitas a outras vinícolas estava apertada. Após duas horas e meia de bate-papo, não poderia ir embora sem fazer mais duas perguntas. A primeira, sobre o rótulo dos vinhos. Segundo o senhor Vilmar, trata-se da imagem “escaneada” de uma folha de parreira verdadeira, o que me surpreendeu pela perfeição do resultado final. A outra pergunta foi, é claro, sobre a ausência de espumantes na vasta carta de vinhos dos Bettú. De forma muito honesta, o senhor Vilmar disse que não fazia espumantes porque não gostava de espumantes. Segundo o vinhateiro, espumante era diferente de vinho, era algo que ele bebia como se fosse água, para refrescar, e que, sendo assim, preferia uma boa cerveja, cujo teor de álcool é mais baixo e não o deixa embriagado. Mas ele acabou confessando que estava preparando o lançamento de um espumante. Disse isso meio a contragosto, como quem faz apenas para atender à demanda... Mas quem sabe nasça daí um belíssimo brut?

Para finalizar a agradável e interessantíssima visita, perguntei sobre a possibilidade de comprar os vinhos, quando prontamente recebi uma lista com dezenas de rótulos e seus respectivos preços. Cada vinho tinha um preço diferente, que começava com R$ 75 e ia até R$ 400. Perguntei se essa precificação estava relacionada à qualidade da bebida, e a resposta foi negativa. Segundo o senhor Vilmar, a qualidade de todos os vinhos era a mesma, pois ele só engarrafava os vinhos que atingiam a alta qualidade desejada. Segundo o vinhateiro, o preço refletia tão somente a quantidade de garrafas disponíveis em sua adega – conforme as garrafas vão acabando, o preço vai subindo. O objetivo é garantir um estoque mínimo de cada rótulo, para consumo próprio.

Saí da casa dos Bettú, rumo ao Vale dos Vinhedos, refletindo sobre a bela experiência que acabara de ter e imaginando quanto tempo esse negócio se manteria com esse formato, bastante “caseiro” – como uma “vinícola de garagem”, na definição do próprio Bettú, que descartou o rótulo de produtor de “vinho de butique”. Com a qualidade e a fama que seus vinhos começam a ganhar, será que o senhor Vilmar resistirá aos apelos do aumento da produção e, conseqüentemente, à automatização dos processos e, em última instância, a uma possível queda de qualidade visando aos lucros com a venda massiva de vinhos? Por via das dúvidas, comprei uma dúzia de garrafas para deixar descansando na minha adega.

Em tempo: quem quiser beber os vinhos Bettú deve ir à Serra Gaúcha ou a um dos poucos restaurantes para os quais o senhor Vilmar vende suas garrafas no RJ:

>> RestauranteTerzetto, 2247-6797, Rua Jangadeiros, 28 - Ipanema
>> Restaurante D'amici, 2541-4477 2543-1303, Rua Antônio Vieira, 18 B - Leme
>> Loja e Bistrô Confraria Carioca, 2244-2286, Rio Plaza Shopping - Botafogo
>> Restaurante e Loja Intervinos, 3322 6579, Estrada da Gávea, 698 - São Conrado
>> Restaurante Gibraltar, 2483-6275, Av. Érico Veríssimo, 690 - Barra da Tijuca
>> Montagu Bistrô, 2493-5966, Condado de Cascais, loja C - Barra da Tijuca
>> Churrascaria Estrela do Sul, 2437-8008, Rua João Olintho, 50 - Recreio dos Bandeirantes
>> Restaurante Don Pascual, 3417-0776, Estrada do Sacarrão, 867, casa 12 - Vargem Grande