quinta-feira, 22 de julho de 2010

Nova moda: vinhos nacionais a preço de ouro

Tenho notado um estranho movimento no mercado de vinhos no Brasil que está me deixando bastante preocupado. Mais do que isso, está praticamente me proibindo de beber os vinhos produzidos no meu país.

Que vinho ainda é considerado uma "bebida de luxo" no Brasil e que os importados são caros em razão dos altos impostos e da ganância de alguns importadores, isso já é sabido. O que tem me chamado a atenção é a escalada dos preços dos vinhos nacionais, o que parece ir na contra-mão do esforço dos produtores de "popularizar" a bebida, tornando possível barateá-la para competir com importados baratos e, consequentemente, aumentar o ganho na escala.

Reparem que a cada ano nossos vinhos debutam em categorias cada vez mais altas, como se em pouco tempo estivéssemos conseguindo recuperar décadas de estagnação na produção de vinhos finos. Primeiro foram os "premium", depois os "super premium". Agora, parece que estamos tentando superar os melhores vinhos internacionais criando verdadeiros "mitos", antes mesmo de eles serem colocados no mercado, num esforço gigante de marketing. E isso inclui garrafas sendo vendidas a US$ 100, ao melhor estilo das vendas antecipadas dos grandes Bordeaux. E quem perder a reserva pagará o dobro nas lojas, já avisa o produtor. Hoje mesmo recebi um e-mail oferecendo o ótimo Storia, da Casa Valduga, a "módicos" R$ 120, também no esquema de venda antecipada.

A idéia deste post não é fazer o que já tem muita gente fazendo: falar mal dos vinhos nacionais. Nunca fui crítico dos nossos vinhos - ao contrário, sempre defendi a sua qualidade, ainda que reconhecendo que estamos em um estado inferior aos demais sulamericanos. Sempre acreditei e continuo acreditando que a tendência é melhorar.

O fato é que alguns produtores parecem ter perdido o bom-senso e estão boicotando o próprio vinho nacional, aumentando ainda mais o preconceito contra ele. Não me parece lúcido cobrar preço de Barolo e Brunello em vinhos evidentemente mais simples. Não há custo de produção que justifique isso. Como é possível encontrarmos um vinho brasileiro, no Brasil, custando quase o dobro de um Castelo di Ama, por exemplo? Ou no mesmo preço de um bom Barolo ou Brunello? Sem falar das centenas de vinhos chilenos e argentinos que estão disponíveis por muito menos que isso, com qualidade notadamente superior?

Enfim, tenho amigos produtores e vendedores de vinhos nacionais, mas nenhum deles conseguiu me convencer de que, do dia para a noite, começamos a produzir vinhos comparáveis ou mesmo superiores aos tops europeus - vejam que, na Itália, excelentes toscanos e piemonteses são vendidos a partir de 20 ou 30 euros. Os considerados caros, "tops", giram em torno de 40 a 60 euros.

A pergunta é: Por que um italiano bebe um bom Barolo a 40 euros e eu pago mais do que isso para beber o Storia? Coloquei essa questão a uma revendedora de vinhos brasileiros e ela me disse que também não entende e que inclusive já percebeu um movimento de clientes que pararam de comprar nacionais por conta da vertiginosa deterioração da relação entre preço e qualidade. Eu mesmo não consigo mais comprar vinhos nacionais, pois parece sempre haver um chileno ou argentino tão bom quanto ou melhor a preço mais baixo.

Será que a idéia é vender ilusão a gente que bebe rótulo? Talvez atingir um público esnobe, que vai começar a comprar vinhos nacionais porque, a julgar pelo preço, eles passaram a parecer tão bons quanto os importados? Alguém consegue me explicar a razão desse estranho movimento e aonde ele levará nossa indústria vitivinícola?

7 comentários:

Anônimo disse...

Amigo,

Sem comentários. Parabéns pelo equilíbrio na abordagem desse ema tão delicado.

abç


Jeriel

Anônimo disse...

Amigo, parabens pela nota. Moro na Suica e aqui eh possivel compra um Lote 43 da MIOLO por modicos R$ 33,00 e nao os R$ 70,00/R$ 80,00 cobrados no Brasil, ainda assim penso duas vezes antes de compra-lo pois ja comprei garrafas de Brunello e Barolos mais econjomicas doque o Lote 43. MAs de qualquer forma gosta de ter um vinho brasileiro de qialidade para mostar aos suicos que os brasileiros tambem sabem fazer bons vinhos.
abracos

Paulo Sampaio disse...

Jeriel, você tem razão, o tema é delicado, especialmente para quem transita nos bastidores desse mundo. Conheço muita gente honesta, de boa fé, que produz bons vinhos, por isso me preocupa observar um passo equivocado como este. Sei que este post pode gerar desconforto e até me deixar em situação delicada também. Mas acho que às vezes não dá para calar por receio de ser mal visto ou criticado.

Como sempre defendi o vinho nacional contra o preconceito que ele sofre, me senti na obrigação de colocar meu ponto de vista sobre este assunto. Realmente não pago R$ 120 em um vinho nacional, o que me deixa triste, pois perderei a chance de fazer o que sempre fiz: comprar nossos vinhos e acompanhar sua evolução. Mas parece que o preço está evoluindo mais rápido do que a bebida em si.

Estamos querendo criar um Almaviva do dia para a noite? Se for isso, é uma burrice enorme, pois fora da América do Sul não se paga tão caro nesse vinho quanto se paga no Brasil ou mesmo no Chile. Estive em NY no começo do ano, e por lá o Almaviva custava exatos US$ 75 na Sherry Lemann. E já achei caro pelo que é.

Temos de plantar oportunidades agora para colher quando o mercado nacional estiver maduro. Inventar mitos é a morte anunciada da nossa indústria, pois, quando os consumidores ingênuos e inexperientes acordarem, perceberão que foram feitos de bobo e se voltarão contra os nossos próprios vinhos.

Paulo Sampaio disse...

Caro amigo da Suíça (não sei seu nome), tem amis esse ponto que você bem colocou. Fora do Brasil, nossos vinhos são bem mais baratos! Isso é inexplicável, não acha?

WTommasi disse...

Perfeito Paulinho Perfeito !!!!!!!
Parabens pela nota

Fernando Freire disse...

Pois é, também percebi isso. Recentemente na minha faculdade um dos enólogos da Casa Valduga foi apresentar alguns vinhos deles, e o tempo todo ele ficava justificando porque o vinho mais caro era mais caro. Aliás, foi o que ele fez em 30% da noite... justificar, sem que ninguém precisasse perguntar o porquê.

Infelizmente o brasileiro está indo no caminho do marketing muito mais do que da qualidade. Em contra-partida amigo Paulo, vinícolas menores de Santa Catarina estão começando a se destacar no cenário Sul-Americano, inclusive com excelentes colocações na última Expovinis. Teve um Chardonnay que não passa dos 50 reais que ganhou como melhor da categoria e um Sauvignon Blanc da mesma vinícola (que não lembro o nome) que ficou muito bem pontuado.

Vamos ver o que irá acontecer mais à frente. Penso que as vinícolas de SC podem passar à frente das atuais grandes do Brasil. Será?

Fernando Freire

Paulo Sampaio disse...

Fernando, não duvido. Acho que santa catarina tem bom potencial, como já comprovam alguns dos seus vinhos. Vamos ver no que var dar. Abraço!