terça-feira, 31 de agosto de 2010

Vinhos de garagem e a grande indústria no Brasil

É interessante como no Brasil há uma aura mágica em torno do vinho, o que propicia o aparecimento de alguns fenômenos "esquisitos" relacionados a essa bebida. Já comentei sobre a questão de preços, que apenas nos mostra que temos um mercado sedento por vinhos caros, tratados não apenas como uma bebida, mas principalmente como um símbolo de status social.

Um outro fenômeno pelo qual inclusive os iniciados no mundo do vinho se deixam envolver são a mágica vendida pelos chamados vinhos de garagem, também conhecidos como vinhos de butique, vinhos de autor, entre outros nomes românticos e cheios de glamour que o mercado oferece e que o consumidor compra.



Quando surgiram os primeiros produtores de fora do circuíto, com seus vinhos considerados diferenciados, eu mesmo me interessei e fui conhecê-los. Me parecia fantástico um cara que nem enólogo era, em alguns casos, conseguir elaborar maravilhas com poucos recursos, em sua pequena propriedade, numa região e num país cujo terroir não ajuda em nada a produção artesanal de vinhos finos.

Eu ficava imaginando como uma produção desse tipo, com quase nada controlado, poderia originar vinhos superiores ao das grandes vinícolas, que investem fortunas em bons profissionais, em tecnologia e em terrenos e vinhedos de alta qualidade. O fato é que, após provar esses vinhos - inclusive em degustações cujos temas eram os vinhos de garagem nacionais - constatei que, na esmagadora maioria dos casos, estávamos bebendo puro marketing. É incrível, mas a nossa indústria vitivinícola é fértil em criar "fatos novos" e "estrelas da enologia".

Não quero ficar relatando todas as experiências que tive, nem boas, tampouco as ruins, mas deixo aqui a minha conclusão. No Brasil, se queremos beber vinhos bons, equilibrados e com boa estrutura, temos de recorrer aos grandes produtores. As piores coisas que já bebi no Brasil são os tais vinhos de autor, que quase sempre se mostram "verdes", cheios de arestas, com pouco corpo ou com tantos outros defeitos resultantes da falta de controle de qualidade e dos processos de produção. Já bebi coisas boas do Bettú, mas também coisas pavorosas dele. Do Marco Danielle, bebi o Tormentas, que é um vinho intragável. De muitos outros pequenos produtores bebi vinhos fraquíssimos, dignos de serem esquecidos. Claro que já bebi coisas boas, mas quase sempre em safras específicas e aparentemente por conta do acaso, sem uma sequência de "sucessos".

A moral da história é que, se queremos beber vinhos nacionais bons, temos mesmo de recorrer aos grandes, como Miolo - para mim, o melhor produtor nacionais, especialmente com o seu Lote 43 e o Merlot Terroir -, a Salton - com seu Talento e Desejo - e Casa Valduga, com o Gran Reserva Chardonnay e o excelente Storia. Há outros não tão grandes, mas também bons, como Don Laurindo e Pizzato, dois produtores de ótima qualidade.

Enfim, essa é a minha percepção, baseada em minhas não tantas experiências, o que certamente coloca uma margem de erro razoável, já que certamente não bebi nem 5% dos vinhos de garagem espalhados pelo país. Essa é uma experiência que continuarei fazendo, por curiosidade, e que volatrei a comentar caso minha opinião mude. Por ora, o que eu vejo é mais um "mito da moda" caindo.

6 comentários:

Luciano Neto disse...

Caro Paulo,

Muito boa a sua análise. De fato, vinho de garagem, aqui no Brasil, é uma grande jogada de marketing.
Mas também temos que ter em conta que é bem possível fazer grandes vinhos sem muitos recursos. Eu pude verificar isso quando fiz estágio na Quinta do Mouro. Uma propriedade em Estremoz, no Alentejo. A vinícola está mesmo distribuida no porão da Casa dos Zagalos, sede da Quinta do Mouro, e residência do Dr Miguel Loures, o proprietário. É bem verdade que se trata de uma casa e tanto. Para teres uma idéia, na época, a Quinta do Mouro explorava 20 hectares de vinhedos, sendo 14 na própria quinta e 6 hectares arrendados numa área próxima. Eram 70 toneladas de uvas vinificadas e envelhecidas no porão da casa. Mas os recursos não passam de uns tanques de aço inox, barricas de carvalho, um aparelho de refrigeração (utilizado no controle de temperatura de fermentação), umas bombas, um desengaçador esmagador, uma prensa pneumática antiga e um pequeno laboratório para as análises básicas. Além disso, o insumo era o básico. Enzimas pectolíticas, metabisulfito de potássio, diamônio fosfato e levedura selecionada. O mais importante para o sucesso e a qualidade deste vinho de garagem, é, sem dúvida, a qualidade excepcional da vindima. Nas experiências anteriores que tive, eu nunca tinha visto uvas com aquela qualidade sanitária e tão bem maduras.

Anônimo disse...

Luciano,

Adorei o seu comentário. Pois perpassa a nanálise crítica de um enólogo marchànt. Entra no espírito familiar de querer produzir algo bom, e viver para aquilo. E, fazer os 50% necessários para o sucesso, e torcer para que a natureza cumpra os seus outros 50%. Muito construtivo...Parabéns, e, quando puder, continue a nos informar de coisas que acrescentam o paladar e o intelectual!

Anônimo disse...

A grande e esmagadora maioria de enófilos no Brasil, quer justamente beber o que o Luciano bem postou. Um produto de indústria altamente padronizado. Padronizando mata-se a essência do vinho. A indústria não se pode dar ao luxo de fabricar milhões de litros de uma bebida que não seja vendável. Então padroniza-se. Mate-se o terroir. Têm-se esses vinhos a que se têm comum acesso, fáceis e dóceis. Vinhos sem alma.
Mas fico feliz em saber que sempre haverão as pessoas que entendem que o vinho é vivo e têm alma, está em constante transformação e muito melhor é quando é verdadeiro. Sem tapeações, a uva têm que mostrar as características daquele ano. Não existe ano ruim, safra ruim. Todas as safras têm suas peculiaridades e valor. Poucos vinhos são assim. Vinhos que não lançam mão nem das tais leveduras vínicas, mais um artifício para padronizar. Para quem acha que vinho é Salton, Miolo e companhia Ltda. Ótimo. Pra mim, mil vezes um Bettú e companhia Ltda.

Paulo Sampaio disse...

O que eu acho é que não temos, no Brasil, o que há na Europa: tradição, enólogos de criação, videiras centenárias e terroir que permitam esse negócio de vinho de garagem. o Bettú acerta a mão em 20%. Por outro lado, concordo que devemos tomar cuidado com a padronização excssiva.

vinhofortaleza disse...

Paulo, se tiver oportunidade experimente o Anima Vitis de Boscato, e' caro, mas e' um excelente vinho que só e' produzido em safra realmente especiais e o Luis Boscato e' um verdadeiro maníaco em busca da qualidade absoluta, vale a pena conhecer.
Abraços

Paulo Sampaio disse...

Marco, obrigado pela dica. Quando eu tiver a oportunidade provarei. Já estive na Boscato e sei que lá se faz um trabalho sério, longe da "garagem".