domingo, 8 de abril de 2012

Vem aí a Coca-cola de uva fermentada!

Tive uma visão do futuro nesta noite! Sonhei que estava no ano de 2032 e visitava uma renomada vinícola brasileira na Serra Gaúcha. O lugar era enorme, com meia-dúzia de funcionários e muitas, mas muitas máquinas. Lembrava até uma daquelas montadoras de automóveis do ABC, com tudo automatizado e controlado. Tudo era assustadoramente igual, padronizado, sem cor e sem cheiro. Dos tanques de aço às garrafas e tampas, que eram idênticas às de Coca-cola!

Ali se fazia um único vinho, a partir de uvas fabricadas em laboratório, todas idênticas, fermentadas da mesma forma, resultando em milhões de garrafas iguais, de uma mesma bebida, que todos ali chamavam de vinho nacional! Não havia rótulos, mas sim uma impressão nas garrafas, cheia de avisos sobre as substâncias contidas no frasco. Até a quantidade de calorias era indicada!

Acordei suado, assustado e reflexivo. Afinal, por que raios tive essa visão tenebrosa do nosso futuro vitivinícola? Seria um sinal do que está por vir? Pensando sobre o assunto agora de manhã, concluí que pedir salvaguardas para os vinhos nacionais é, de fato, sinal inequívoco de que os produtores gaúchos entendem e tratam a bebida como Coca-cola, como um produto passível de produção em série, padronizado. E se eles pensam assim, meu medo das salvaguardas fica ainda maior, pois é um indício do que seremos forçados a beber caso os importados deixem de chegar ao Brasil. Parece que os produtores nacionais desistiram de apostar na qualidade e na identidade do seu vinho - que o tornaria único e incomparável - para produzir uma bebida padronizada, como de fato já são alguns dos piores vinhos produzidos em solo brasileiro.

O absurdo do pedido de salvaguardas reside no fato de tentar tornar similares produtos completamente distintos. É como dizer que dá na mesma ouvir Michael Jackson e Gilberto Gil porque ambos são música. Ou que não há diferença entre comprar um Picasso ou um Romero Britto porque ambos "enfeitam a parede". Visão tupiniquim de gente sem cultura e sensibilidade. Ou de gente mal intencionada, que se aproveita da má fé dos nossos políticos para ganhar dinheiro fácil.

Eu compreendo e aceito pedir salvaguardas para indústrias que produzem itens replicáveis em qualquer lugar, como tecidos, brinquedos e até carros. Indo para um exemplo extremo, tenho certeza de que a Ferrari poderia abrir uma fábrica no Brasil e produzir um automóvel tão bom quanto o italiano. Mas duvido que a Domaine de la Romaneé-Conti seria capaz de elaborar um Borgonha na Serra Gaúcha!

Vinho é uma bebida única, que expressa terroir, o trabalho do enólogo e a filosofia do produtor. Eu bebo um Bordeaux porque ele é a expressão daquele lugar único. E é por isso que eu chamo um Bordeaux de Bordeaux, ora bolas! É ÓBVIO! Portanto, não se pode produzir o mesmo vinho em diferentes países, não cabendo salvaguardas, consequentemente. Cada garrafa conta uma história, expressa o resultado de um trabalho e a identidade de uma região. Tal como a música ou outras modalidades artísticas, é expressão cultural e da diversidade. Quanto mais acesso temos a essa diversidade, mais ricos somos como país e como pessoas.

Mas nosso governo e nossos produtores parecem entender de outra forma. Talvez porque tratem o vinho como commodity, como uma bebida industrial, replicável, padronizada e sem identidade. Tenho medo do que o futuro nos guarda em sua adega...

3 comentários:

Confloripa disse...

Parabéns pelo ótimo texto!!!

Abç,

Claudio
Blog Confloripa

João Filipe Clemente disse...

beleza de texto Paulo, vou repicar lá n blog.A luta continua, Boicote aos coronéis já!

Raul disse...

Texto perfeito, Paulo. Parabéns!
Obrigado e grande abraço!

Vinho nacional: Tô fora!