sábado, 19 de julho de 2008

Fora da lei

Não sei o que será da minha vida depois que o governo lançou sua mais nova campanha de marketing: a chamada lei seca! "Se beber, não dirija", dizem os homens que mandam no país. Simples para quem sempre esteve acima de qualquer lei e para quem tem carro e motorista patrocinados pelo Estado.

Não vou gastar as teclas do meu computador falando de políticos, pois já é de domínio público o que a maior parte deles pensa e faz. Vou apenas desabafar, neste meu blog, já que é para isso também que a internet serve - até que algum político ou especialista de laboratório resolva dizer: "Se beber, não tecle".

Algumas constatações me dão a certeza de que, por melhor que sejam as intenções (ainda que as ações sejam burras), essa nova moda brasileira não vai durar muito. A começar pelo radicalismo da lei. Não sou advogado, mas me parece um equívoco evidente tratar alguém que sai para jantar com a família e bebe duas taças de vinho como um criminoso que merece ser encarcerado, da mesma forma que um bêbado que enche o caneco e sai dirigindo por aí a 100 por hora, em zigue-zague e oferecendo risco de morte a outras pessoas e a si mesmo.

Outro ponto é o fato de não haver contrapartida. Que transporte público o governo oferece como alternativa para quem não quer ou não pode pagar R$ 100 de táxi numa noite para ir de casa a um bar ou restaurante que fica em outra região de uma cidade grande e cara como São Paulo? Ou será que quem não tem condições de pagar táxi perdeu também o direito de se locomover, o chamado "direito de ir e vir", garantido pela nossa Constituição Federal?

No caso dos jovens, que vão para as "baladas" e se embriagam para se sentir fortes e poderosos - estes sim merecem uma ação educativa mais focada -, não serão estimulados a trocar o álcool pela maconha e por outras drogas mais pesadas, hoje vendidas em qualquer esquina da cidade sem a menor fiscalização - fiscalização esta que poderia ser feita por quem está munido de bafômetros e prendendo gente que nada fez contra quem quer que seja?

Será que aqueles que bebem até cair e depois pegam o carro e dirigem realmente se sentirão desestimulados a fazê-lo? Acredito pouco nisso, pois acidentes feios continuam acontecendo. O governo se gaba ao dizer que os números caíram, mas isso é evidente. Se proibirem pessoas entre 18 e 35 anos de dirigirem cairão ainda mais. E, se proibirem a circulação de carros entre 20h e 5h, aí então os acidentes cairão drasticamente.

Aliás, se proibirem a venda de bebida alcoólica muitas mortes e muita violência serão evitadas, não apenas no trânsito, mas também em bares, casas noturnas, dentro de residências. O radicalismo costuma apresentar números bonitos no curto prazo, mas conseqüências às vezes dramáticas no longo prazo. Muitas vezes mata o paciente para curar a doença.

Eu poderia passar a manhã enumerando outros problemas, como o estímulo à corrupção dessa lei, que coloca nas mãos de um PM mal pago a chance de fazer um belo pé de meia, oferecendo ao motorista bêbado a chance de se livrar da cadeia e dos mais de R$ 2 mil que isso custará por apenas 50% desse valor. Poderia questionar se é justo prender alguém por beber e, teoricamente, ser um risco no trânsito. Poderia levantar o fato de cada organismo reagir de forma diferente ao consumo de pequenas quantidades de álcool. Conseqüentemente, eu poderia falar de outras formas de se medir a alteração que a bebida causa no motorista, coisa que o bafômetro não faz. Enfim...

Mas o que me dá mesmo a certeza de que a moda não pega é a inviabilidade de se fiscalizar um país deste tamanho por meio de uma polícia que mal consegue fazer o que deveria ser o seu trabalho principal: evitar crimes e prender bandidos. Se temos a sensação de que a cidade está "sitiada" e que seremos presos na próxima esquina, devemos bater palmas para os homens de marketing envolvidos nesta campanha terrorista contra o consumo de álcool.

Quanto a mim, digo apenas que não pararei de viver por conta dessa história toda. Não deixarei de jantar com meus amigos, e isso inclui o vinho ou a cerveja, que são parte de qualquer refeição ou celebração na minha casa. Não vou deixar de freqüentar a minha confraria ou ficar refém de táxi às 2 horas da manhã, lá em Alphavile, onde acontecem 6 de cada 10 dos nossos encontros. E não perderei mais meu tempo falando sobre este assunto, que já rendeu demais. Vou, sim, é beber um vinho, no meu sofá, antes que isso também seja proibido!