domingo, 27 de junho de 2010

Ripasso: um Valpolicella turbinado

Semana passada, reuni a confraria Sereníssima na minha casa para uma degustação muito interessante, na qual colocamos lado a lado oito exemplares de Valpolicella. Mas não eram Valpolicella "comuns", simples, daqueles que encontramos nas gôndolas dos supermercados a preços convidativos. O painel reuniu rótulos do que eu chamo de "Valpolicella turbinado", produzido pelo método ripasso, que confere mais estrutura e complexidade ao vinho. Estes custam, no Brasil, entre R$ 80 e R$ 120, o que já indica algum diferencial. Antes de comentar o painel, vou gastar algumas linhas para falar sobre o tipo de vinho que degustamos.

Valpolicella é uma região localizada no Vêneto, que, por sua vez, integra a chamada Tre Venezie. Trata-se de uma das principais regiões produtoras de vinhos na Itália em termos de volume, possivelmente a que mais produz no norte do país. Apesar de liderar pela quantidade, o Vêneto e, em particular, Valpolicella, não oferece, proporcionalmente, grande volume de vinhos de ótima qualidade.

Os vinhos de Valpolicella são elaborados essencialmente com as uvas tintas corvina, rondinella e molinara, mas podem levar outras cepas locais, como a negrara. Existem basicamente seis categorias de Valpolicella, que divido em dois grupos: o básico, jovem e bastante simples, produzido em qualquer parte da denominação; o Valpolicella Classico, um pouco melhor, produzido na região original da denominação; o Valpolicella Classico Superiore, este sim bem melhor, pois além de ser elaborado na melhor região, com as melhores uvas, ainda é envelhecido antes de ir ao mercado; e o Valpolicella ripasso, na minha opinião acima dos demais em termos de complexidade e muitas vezes também suerior em qualidade.

O segundo grupo compreende outros dois tipos de Valpolicella que são, para mim, tão mais complexos e distantes dos anteriores em termos de qualidade que prefiro colocá-los em um parágrafo diferente: o Amarone, um belíssimo vinho elaborado com as uvas semi-passificadas, o que torna a bebida mais alcoólica, mas também muito mais complexa e estruturada; e o Recioto, a versão doce do Amarone, que possui uma quantidade maior de açúcar em consequência da interrupção do processo de fermentação.

A degustação
O foco da degustação foram os Valpolicella ripasso, que ganham complexidade por receberem uma parcela do "bagaço" das uvas do Amarone durante o processo de fermentação. É por receber esse "upgrade" que chamo este tipo de vinho de "turbinado". Em termos de aroma e sabor, são vinhos mais próximos do Amarone do que do Valplicella Classico Superiore. No entanto, se distanciam dos que eu considero os "tops" da região quando avaliamos corpo e persistência. Mas a experiência da semana passada quebrou um pouco essas "regras" mentalmente estabelecidas por mim.

Dois oito vinhos degustados, falarei sobre aqueles que me chamaram a atenção, pois meu objetivo não é ficar fazendo nota de degustação - não tenho muita paciência para isso. A seguir, os detaques da noite, em três estilos totalmente diferentes. O primeiro é praticamente um Amarone "contemporâneo"; o segundo, modernoso, amadeirado, ao melhor estilo "novomundista"; e o terceiro, o mais tradicional de todos, marcado pelos aromas e sabores de uva passa.

1º) Dal Forno Romano Valpolicella Classico Superiore 1998
Esta foi a primeira grande quebra de paradigma para mim. Pela primeira vez bebi um Valpolicella que, mesmo não sendo ripasso ou Amarone, me agradou muito. Na verdade, mais do que isso. Esse vinho me surpreendeu muito, pois era praticamente um Amarone, superando todos os demais no painel. Dei a ele 90 pontos, conquistados pela sua estrutura e intensidade, com aromas de uva passificada, além de frutas vermelhas em geral. Na boca, ótimo corpo, acidez e um pouco de adstringência, o que me fez concluir que esse vinho ainda iria longe. No rórulo, há a informação de que parte das uvas é semi-passificada, mas não fica claro se se trata do uso de "repassagem" com as uvas do Amarone ou se realmente há uma primeira fermentação com uvas semi-passificadas. Enfim, o que importa é que se trata de um vinho extraordinário - pena que custe uma pequena fortuna na importadora Cellar, que traz o Romano dal Forno para o Brasil.

2º) Bosan Ripasso 2006
Entre os ripasso "mortais", este é, para mim, o melhor de todos. Não apenas deste painel, mas o melhor entre todos os ripasso que já bebi. Trata-se de um vinho intenso na cor, nos aromas e no sabor, podendo até ser confundido com Amarone menos encorpados e alcoólicos. Tem um estilo mais modernoso, menos "vinoso" e mais amanteigado, com toque de madeira perfeitamente equilibrado com os aromas frutados, que são a marca deste tipo de vinho. Na boca, o tostado e a fruta aparecem novamente, boa acidez, de médio a bom corpo e boa persistência. Dei 89,5 pontos a este vinho, que realmente me encantou pelo equilíbrio e por ser delicioso, no nariz e na boca.

3º) G. Poggi Ripasso Il Moretto
Gostei bastante deste vinho, pois remete ao estilão mais tradicional do Amarone, com bastante uva passa e, neste exemplar, um toque marcante de própolis. Trata-se de um vinho com média a boa acidez, taninos mansos, bom corpo e média a longa persistência. Dei a ele 89 pontos, pois é muito agradável e emociona quem gostava dos Amarone produzidos até a década de 90.

As decepções da noite, para mim, ficaram por conta dos ripasso do Guerrieri-Rizzardi (Pojega), que é um dos meus produtores favoritos de Amarone, mas que levou apenas 86,5 pontos; e do tradicionalíssimo Masi (Brolo di Campofiorin), que amargou a 7ª posição, com 86 pontos, à frente apenas do ripasso do Tedeschi (Capitel San Rocco) - este último estava visivelmente problemático e comprometido, por isso prefiro não avaliar. O vinho do Zenato (Ripassa) ficou com 86,5 pontos e do Alegrini (Corte Giara), com os mesmos 86 pontos do Masi.

3 comentários:

Anônimo disse...

Bom comentário.
Alguem sabe dizer ao certo onde consigo comprar um ZENATO RIPASSA VALPOLICELLA SUPERIORE 2009 no Brasil? Estou no Rio de Janeiro.

Grato.

Paulo Sampaio disse...

Precisa ser a safra 2009? Não sei se essa já veio para o Brasil. A safra 2008 vc compra na World Wine: http://www.worldwine.com.br/ripassa-valpolicella-superiore-doc-2008-1427.aspx/p

Cesar disse...

Acabei de trazer esse vinho da Itália e estou bem curioso.