domingo, 4 de julho de 2010

Picagli: comida da nonna no Alto da Lapa

Ontem à noite resolvi conhecer um restaurante que há tempos programava ir, indicado pelo amigo Esper. Trata-se do italiano Picagli, no Alto da Lapa, nas proximidades da Pio XI e da Tito. Como de costume, liguei antecipadamente para o lugar e questionei sobre a possibilidade de levar meu próprio vinho. A resposta foi positiva, e sem cobrança de rolha, com a justificativa de que a casa não oferece muitas opções para o cliente. O que é verdade, pois a "carta" traz meia-dúzia de rótulos como Santa Helena e Lambruscos.

Apesar de morar na região, tive alguma dificuldade para encontrar o restaurante - o GPS se perdeu e me levou com ele. Tive de me virar sozinho e, depois de alguns minutos procurando placas, acabei entrando em uma rua bastante escura, silenciosa e vazia. Cheguei à frente de uma praça, também escura, e imaginei que fosse esssa a referência do site. O número 451 da rua Araçatuba identificava a fachada de uma casa, com luzes apagadas e sem sinal de vida, apesar de já serem 19h05 - o restaurante promete abrir às 19h.

Com bastante receio de ficar parado ali, esperando - já fui assaltado em situação bem menos propícia -, decidi dar uma volta e ligar para o restaurante do meu celular. Uma simpática mulher me atendeu e disse que abriria a casa para mim. Parei novamente na porta e um garçom, também atencioso, nos recebeu e nos pediu que escolhêssemos a mesa.

Se eu já estava de orelha em pé por conta dos episódios precedentes, fiquei ainda mais preocupado quando entrei no salão e senti um forte cheiro de mofo no ar... Lembrei do Esper e pensei: "onde esse cara foi me meter!" Mas já que eu estava ali, decidi não recuar, apesar dos olhares de reprovação da minha esposa.

Nos sentamos e, sem vacilar, pedi ao garçom - o único do restaurante - que abrisse a minha garrafa, um belo Langhe, o Mandaccione, safra 2000. Ouvi o ruído da rolha sendo retirada no bar, longe dos meus olhos, mas mesmo assim comecei a me animar. No mínimo beberia bem e, com certeza, pelo menos a comida deveria ser ótima, pois o amigo Esper não é lá uma pessoa muito tolerante com a mediocridade.

Recebi minha garrafa, aberta, e duas taças de vidro grosso, pequenas, daquelas que só encontramos no Bixiga para saborear o "vinho da casa". O garçom pediu para que eu provasse o vinho, que já estava devidamente embrulhado em um guardanapo vermelho, e então o serviu - claro que tive de pedir para ele parar antes de a taça transbordar.

Naquele instante, me senti em uma típica trattoria italiana, com paredes forradas de tecido, piso velho de madeira, além da administração mais do que familiar - aparentemente só o garçom não era um Picagli. Daí em diante resolvi relaxar - até porque o vinho realmente estava muito bom, apesar da taça "cantineira". Além de nós, apenas mais uma mesa foi ocupada por dois casas na faixa de 60 a 70 anos, o que tornou o ambiente ainda mais nostálgico.

Começamos os pedidos. Para o meu filho, solicitamos um paillard de filé acompanhado de fetutine na manteiga e manjericão. Como primeiro prato, dividi com minha esposa uma polenta com calabresa. Para o prato principal, solicitamos um raviole de ricota romana e alcachofra, ao molho de tomate. Para a minha felicidade, a previsão de comer muito bem se concretizou. Aliás, superou as expectativas, pois não apenas comemos bem, como me senti na casa da minha nonna, 25 anos atrás, quando ela preparava a comida caseira mais deliciosa "à italiana" que já comi. O fetutine do meu filho veio parar no meu prato também, pois estala levissímo e saboroso, apesar dos poucos ingredientes. A massa, "al dente", era a mais caseira possível, feita provavelmente naquele dia. Uma simplicidade só, mas deliciosa, coisa que não se encontra em restaurantes hoje em dia.

Na sequência, me servi da polenta, e aqui está o ponto altíssimo da noite. Foi a melhor polenta que já comi na minha vida! Cremosa como eu nunca imaginei encontrar um dia, com sabor delicado e integrado ao molho de linguiça calabresa, picante e muito saboroso. Eu teria pedido outra polenta como prato principal, talvez acompanhando o polpetone - segundo o amigo Esper, esse bate até o do Jardim di Napoli.

Finalizada a "bella polenta", o garçom trouxe o raviole, que também estava delicioso. Massa caseiríssima, muito leve e com recheio na medida certa. Não estava "al dente", como o fetutine, mas demos um desconto, pois o conjunto estava perfeito. O molho, um "sugo" saboroso e também delicado, sem excesso de tempero, alho e ervas, o que às vezes o deixa indigesto. Foi outra boa experiência, que igualmente me fez lembrar da minha avó.

Por fim, resolvemos pedir sobremesa, já que, apesar de termos comido muito bem, estávamos com o estômago leve. Solicitamos torta de limão e o sorvete de amêndoas, feito na própria casa. Ambos os doces estavam bons e fecharam bem a nossa experiência, possivelmente a mais inusitada dos últimos tempos.

O Picagli é um lugar para quem gosta de boa comida, mas simples e sem frescura. Deve-se dar um desconto ao cheiro de mofo e às taças, pois a boa refeição que se faz por lá compensa. Recomendo ir no almoço de domingo, quando o lugar possivelmente fica mais iluminado, animado e seguro - naquela rua escura e vazia, não colocar um segurança na porta à noite é quase um suicídio.

Não contarei a história do restaurante, pois tudo isso pode ser encontrado no seu site: http://www.picagli.com.br/

Por fim, faço um agradecimento ao amigo Esper pela dica!

Nenhum comentário: